REALITIES E CONTEÚDO DE MARCA
- viniciusvba
- 1 de out.
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Minha experiência com produção de conteúdo de marca em realities me levou a refletir sobre um desafio recorrente: muitas empresas ainda não compreenderam a lógica desse formato. Em diferentes projetos em que participei, inclusive em produções de grande porte como o Big Brother, percebi que o impacto poderia ser muito maior se o ponto de partida fosse de fato o conteúdo, e não apenas a reprodução da identidade visual ou do jingle da campanha vigente.
É evidente que em qualquer formato o conteúdo é sempre o que fica na memória. Mas nos realities isso se torna ainda mais evidente, porque o gênero se sustenta justamente pela imprevisibilidade e pela emoção compartilhada em tempo real. O público não assiste apenas para ser informado ou entretido de forma passageira, mas para acompanhar uma narrativa viva, que se desdobra diante de seus olhos. Por isso, quando a marca tenta ocupar o centro da cena, acaba competindo com aquilo que realmente importa para a audiência: as histórias, os personagens e a sensação de estar participando de algo coletivo.

Se voltarmos na história, vemos que casos bem sucedidos não nasceram da insistência em colocar a marca no centro, mas sim do contrário: a marca soube se diluir no interesse cultural do público. É o mesmo raciocínio que move um reality show: ninguém assiste para ver o cenário ou os patrocinadores, mas sim pelas histórias que se constroem ali.
Um exemplo clássico fora do universo televisivo é o da Nestlé, com o leite condensado. Como mostram as pesquisas reunidas pelo portal investigativo O Joio e O Trigo, a empresa não vendeu apenas um produto: ela adaptou receitas brasileiras tradicionais para incluir o Leite Moça como ingrediente indispensável, ensinando o público por meio de livros, anúncios e até usando a própria lata como medida de preparo (O Joio e O Trigo, 2021).

Ao associar seu ingrediente a doces que entraram na memória coletiva, como o brigadeiro e o pudim de leite, a Nestlé fez o que muitas marcas ainda falham em realizar: transformar o conteúdo em valor cultural. O resultado é visível até hoje: o Brasil é o maior consumidor mundial de leite condensado, com estimativa de sete latas vendidas por segundo, e o Leite Moça segue no imaginário popular não porque seja tecnicamente insubstituível, mas porque se consolidou como parte da identidade nacional.

O que observo nas produções atuais de conteúdo de marca é que muitas vezes o raciocínio se inverte: acredita-se que o consumidor vai se interessar porque viu a cor da marca, porque ouviu o slogan repetido ou porque o produto apareceu tantas vezes em cena. Mas o público não funciona assim. Assim como em um reality, as pessoas não querem ser interrompidas, elas querem acompanhar uma boa trama, rir, se emocionar, se identificar.
E aí mora um erro grave: achar que o consumidor é ingênuo. Muitas empresas acreditam que, se o logotipo não aparecer inúmeras vezes, ninguém vai associar. Mas o público atual tem repertório e sabe fazer a ligação sozinho. Quando se força a barra, o efeito é justamente o contrário: gera rejeição ou até vergonha alheia. Quem acompanha realities sabe bem disso: nada é mais incômodo para a audiência do que quando uma dinâmica parece forçada demais só para agradar o patrocinador.
Outro problema recorrente está em como se mede o resultado. Muitas vezes o sucesso é avaliado apenas pelo número de menções da marca. Mas conteúdo de marca não é sobre quantidade de citações, é sobre relevância. O que deveria ser medido é engajamento, lembrança afetiva, influência cultural. É isso que gera resultado no longo prazo: consciência de marca aliada à afinidade.
Nos realities, não é o número de vezes que alguém cita o nome de um patrocinador que importa, mas sim se o público comenta, compartilha e cria memes em cima da experiência. O impacto imediato pode até satisfazer um relatório, mas não constrói valor real.

Há também o perigo do excesso de controle. Agências e clientes querem aprovar cada fala, cada cena, cada enquadramento. Esse engessamento mata a autenticidade e distancia o conteúdo do público. O consumidor percebe quando o tom é artificial, quando o apresentador ou o influenciador está desconfortável.
E em um reality isso é ainda mais evidente, porque o gênero exige espontaneidade. O conteúdo de marca perde vida quando se torna apenas uma extensão da burocracia publicitária.
Por outro lado, quando as marcas abrem espaço para cocriação com o público, o resultado costuma ser poderoso. Projetos que ouvem e integram a comunidade têm mais força.
A internet tem mostrado isso de forma clara. O caso recente do Corrida das Blogueiras, um reality show independente com forte comunidade digital, é exemplar. O programa enfrentou dificuldade para captar patrocínio, mesmo com anos de pressão popular para que empresas apoiassem a iniciativa. Quando finalmente três marcas decidiram investir, a resposta foi imediata: o público não só comemorou como passou a interagir com essas marcas em outros contextos, comentando em postagens que nada tinham a ver com o reality.

Por quê? Porque o consumidor entende o pacto: “eu tenho acesso gratuito a esse conteúdo porque essa marca apostou nele”. Não é disfarce, é transparência.
É aí que entra um ponto muitas vezes subestimado: a simples assinatura da marca como quem viabilizou aquele conteúdo é, na maioria das vezes, muito mais elegante e culturalmente relevante. O público entende perfeitamente qual é a função da publicidade e não precisa ser lembrado disso a cada cinco minutos.
Pelo contrário, quando a presença da marca é discreta, mas decisiva, ela ganha valor simbólico e passa a ser reconhecida como parceira que fez aquele conteúdo existir, não como invasora que tentou roubar a cena.
E essa lógica já está presente no imaginário do público.
Quando alguém assiste a um reality e vê uma prova elaborada, entende: “isso só existe porque tal marca investiu no meu entretenimento”. Quando acompanha o influenciador favorito realizando um sonho, pensa: “essa marca se identificou com ele e decidiu proporcionar isso”. Quando o conteúdo surpreende, a percepção é: “essa marca não apenas anuncia, ela se diverte junto comigo e aposta no inesperado”.

Essa consciência não é uma fragilidade do consumidor, é a sua força. E é exatamente por isso que insistir em didatismos e repetições só distancia a marca do público.E olhando para frente, vejo que o futuro do conteúdo de marca está justamente nesse caminho: projetos mais colaborativos, mais fluidos e menos forçados.
O público já está treinado para rejeitar publicidade disfarçada. Quem entender isso vai se destacar, porque não vai mais disputar atenção com insistência, mas conquistar com relevância.
Por isso, mais do que nunca, vejo a necessidade de que as produções de conteúdo de marca tenham profissionais de conteúdo à frente. Não se trata de descartar o marketing ou a publicidade tradicional, que seguem essenciais em outros formatos. Mas quando o objetivo é conteúdo de marca, especialmente em um gênero tão potente e popular como os realities, o centro precisa ser o conteúdo. Só assim a marca deixa de interromper para, finalmente, participar.








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